A vida alheia


Estive pensando e acho que, tudo bem, todos nós gostamos, pelo menos um pouco, de viver da vida alheia. Quando digo isso não falo sobre fofocar ou cuidar da vida dos outros, mas é que eu, quando estou com problemas demais, gosto de viver um pouco do dia a dia dos outros, como se fosse um escape. Pode até ser um pouco estranho, mas é o que eu faço: começo a observar as pessoas (costumo observar muito) e imaginar o que elas pensam, quais seus problemas e pequenas felicidades diárias. Como em um filme, transformo todos em pequenos personagens de uma narrativa não linear. E o que é o poeta se não aquele capaz de se apoderar um pouquinho do outro, de fazer quem lê sentir-se dentro de si mesmo, como se fosse o próprio poeta.
Quando as coisas estão difíceis e não tem jeito, tenho essa mania de pegar uma folha e começar a escrever todos os meus pensamentos, sabe, todos desorganizados mesmo, sem ordem alguma a não ser a que eu os penso (e confesso que mesmo assim até isso as vezes não consigo respeitar). E assim fujo um pouco de mim, fazendo parecer que meus problemas não são só meus, pois já se transbordaram em um papel, pois já transcrevi tudo para que outras pessoas possam tomar um pouco conta da minha vida, possam tirar um peso que eu não posso carregar sozinha ou uma dor que já não consigo mais aguentar.
E, quem sabe, não esteja aí a beleza dessa mania de viver um pouco da vida alheia, de tirar um pouco o peso que cada um de nós carregamos tão secreta e silenciosamente e que eu e esse meu estranho hábito tiramos e distribuímos um pouco por aí, assim, despretensiosamente, para quem queira pegar e cuidar por um instante ou pelo resto de sua vida… da vida alheia.




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